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01 fevereiro 2010

O Haver



Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe. 

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza 
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história. 

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa 
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa 
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade 
De aceitá-la tal como é, e essa visão 
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

Vinicius de Moraes
Extraída do livro "Jardim Noturno - Poemas Inéditos", Companhia das Letras - São Paulo, 1993.



21 comentários:

:.tossan® disse...

Mas só se a vida fluir sem se opor
Mas só se o tempo seguir sem se impor
Mas só se for seja lá como for
O importante é que a nossa emoção sobreviva
E a felicidade amordace essa dor secular
Pois tudo no fundo é tão singular
É resistir ao inexorável
O coração fica insuperável
E pode em vida imortalizar
PCPinheiro
Saudade, beijo Sonia e seja feliz!

Maria Flor✿ܓ disse...

Olá Sônia,

Amo...Amo de paixão Vinicius, que
delicia ler Haver.
Grata por essa emoção.
Teu blog tá lindo!

Beijos

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Minha querida sonia

Lindissimo poema...muito profundo e humano.
Adorei

Beijinhos
Sonhadora

EDUARDO POISL disse...

Lindo poema, Vinicius é vinicius.
Beijos te amo

Luísa disse...

Invulgarmente belo!
Tal como Vinicius nos habituou na sua intensa poesia!
E o encanto de tudo o que os olhos vê, está na conjugação da imagem com o poema!Parabéns Sónia!Muito bom gosto, como também já nos habituou!!
Beijinho terno!

Heresias disse...

Cara Sónia

É quase difícil haver outro Haver mais belo que o de Vinícius!

Bem-haja pela oportunidade de ler Moraes.

Abraço

Vitor Chuva disse...

Olá Sonia!

Estou a ver que mudou o visual do blog - trocou um pontão por uma ponte vistosa, mas eu acho que gostava mais do pequeno pontão velho e simples, quase artesanal; acho que ligava melhor com natureza ...

Bonito poema de quem faz o balanço à vida vivida, do que dela sobra, e do confronto entre o inconformismo e a resignção que ameaça instalar-se.

Um abraço.
Vitor

José Carlos Brandão disse...

O haver - como é grande o nosso tesouro! Quanta beleza temos a desfrutar, quantas lembranças gostosas, calorosas, quanto calor humano! Como a vida é grande.
Um grande abraço.

Dora Regina disse...

[...]Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

Belo poema amiga e ótima escolha, esse trecho é bastante profundo. Desejo uma semana com muita paz e luz.
Abraços.

HELENA AFONSO disse...

OBRIGADA por nos recordar Vinicius, grande poeta que cantou as belezas dum povo muito especial...... conheci-o pessoalmente, numa viagem de avião e está na minha lista dos "passageiros favoritos"
HELENA

El Drac disse...

Um poema muito profundo e humano que nos dá amigos, Vinicio sempre tão intensa e seu abraço emotiva.Un poesia. entrada bonita.

Wanderley Elian Lima disse...

Olá Sonia
Vinicius é um dos meus poetas preferidos, difícil é escolher entre tantas coisas lindas, a melhor.
Um abraço

Unseen India Tours disse...

Beautiful shots and nice words !! Thanks for sharing..

Cleo disse...

Magníficas fotos Sonia, e Vinícius sempre mágico.
grande beijo.
Cleo

Maré Viva disse...

Vinicius, com a sua arte de usar as palavras, Sónia com a sua arte de fotografar, fazem a diferença.
Um beijo.

Nilson Barcelli disse...

Escolheu um poema fabuloso.
De um enorme poeta.
Obrigado pela partilha, querida amiga.
Beijos.

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Olá amiga Sonia!

Um poema fabuloso que estabelece paralelos entre a vida já vivida e a vontade de resistir às amarras.

Sempre lindas as suas escolhas bem como as fotos,
Beijinhos

Anônimo disse...

Que poesia divina do Vinicius!Adorei,Sonia!Bjs,

Anônimo disse...

Que foto linda!
E que poema, que nos faz pensar nos opostos, nas meias verdades, e na coragem infinita que temos guardada em nossos corações.
Muito boa a lembrança e o post.

JULIANA PAEZ disse...

O poeta sempre renasce em suas postagens!!

Adoro esse poeta que habita em vc minha amiga.

Bjokas da JU

Por toda minha Vida disse...

Boa tarde.Sonia

Cecília, Vinicius, rios, mata, tudo tão puro e rapido como a poesia que postou e as fotos. Vir aqui é banhar-se em rica poesia e encher os olhos com tua sensibilidade fotográfica.

Renata

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Gaúcha, nos pampas nascida Um grande sonho acalentei Morar numa ilha encantada Cheia de bruxas e fadas. Nessa terra cheia de graça Onde se juntam todas as raças, Minha ilha lança ao poente O azul espelhado da lagoa, O verde silêncio das montanhas, O rumorejar de um mar azul Que beija apaixonado a areia da Minha ilha de renda poética. Não importa se há sol ou chuva, A mágica ilha é sempre azul, Fica gravada na alma e Quem aqui vem sempre vai voltar, Para descobrir novos caminhos, Novos destinos, pois Esta magia nunca irá acabar.
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