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31 outubro 2009

SONHO INFINITO



Eu poderia ter sido o vento
Ou ter tocado sua alma,
Poderia ter vindo de dentro
Pra te bulir, te fazer reagir,
Poderia, talvez,
Ter amado mais,
Se amar mais fosse possível.
Poderia ter sido o anjo esperado
Ou o amor manhoso
Que te tirasse dessa inércia,
Desse estado doloroso.
Mas sendo eu uma brisa,
Tão longe,
Sem as asas de um anjo,
O que me sobra é o amor,
Que, astucioso,
Cheio de artimanhas,
Possa talvez te devolver
O sol de uma nova manhã.

Letícia Thompson



30 outubro 2009

Vamos partir



Antes da chuva nos bater à porta
já tinhamos sonhado
agitar tempestades
só nos faltava construir
um caminho certo para os barcos

Partimos rumo ao improvável
sem repouso infinitos
inocentes
nós e a chuva

Em segredo estradas fora
construimos um barco
inventámos uma estrela
para seguir as aves
em pleno vôo

Partimos antes da chuva
sem conhecer o destino das tempestades
muito menos o frêmito
do tempo que faz

Vamos partir?
Estamos sempre a partir
e a chegar.

Eufrázio Filipe





Imagem 1: Avenida beira-mar de Florianópolis, por Gabriel Roitman
Imagem 2: Itapema por Alana
Imagem 3: Costão do Santinho por Eduardo Poisl

29 outubro 2009

É para ti que escrevo



É para ti que escrevo, nesta manhã chuvosa
porque tu deixas em mim tanto de ti
me fazes sentir tua alma no balanço das folhas,
no vôo irriquieto das andorinhas
É para ti que escrevo, no reflexo do espelho
pois é na inversão da imagem que teus dedos sorriem
porque tu deixas em mim tanto de ti
no silêncio das madrugadas.
Porque tu deixas em mim tanto de ti,
é para ti que escrevo, por acreditar que além da mente
o corpo também voa, e cada passo deixa de ser
um sonho cruel no rastro de teus segredos.
Porque tu deixas em mim tanto de ti,
é para ti que escrevo, para te dizer que aprendi
com este misto de saudade e ansiedade impregnada
na ausente presença delineada na janela embaçada.
É para ti que escrevo, na fechadura do instante,
porque tu deixas em mim tanto de ti
na tua voz rebelde de poeta, no desejo apertado
de abraçar o vento e ancorar tua nau inquieta.
Porque tu deixas em mim tanto de ti, é para ti que escrevo
para que saibas que no leito das tuas palavras
eu me deito e encontro sossego, seco meu pranto
e adormeço na saliva que do teu peito brota.
É para ti que escrevo
para desvendar tua teia sagrada
para entender por que tu deixas em mim tanto de ti
porque teces a luz da manhã e preenches meu olhar vazio.

Andréa Motta




Imagens de hoje: Itapema por Alana

O MELHOR DE MIM



O melhor de mim
Não está nos poemas
Que derramo pela vida
Nem nas notas das minhas canções.
O melhor de mim
Não está no meu sorriso,
E nem no meu pranto,
E nem no brilho do meu olhar.
O melhor de mim,
Estou (re) aprendendo agora,
É essa imensa capacidade
De ser um e ser dois,
De dar nuvens e dar chão,
De dar estrelas e dar pão.
O melhor de mim,
(abriu-se este clarão),
É ter a coragem
De buscar no meu peito,
Mesmo dolorido, a alegria
De me reencontrar
Comigo mesmo,
E gostar do que vejo.
O melhor de mim
É ter a certeza,
De que o melhor de mim
Sou eu mesmo.

Nel Meirelles



28 outubro 2009

Ventos Poéticos


Sou o pó
E vou no vento
Através de rios
E montes
Vou no vento
E talvez eu pouse
Talvez encontre
O mel as areias
Do teu corpo
Trazidas pelo vento

Antonio Ramos Rosa


Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.
As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.
Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam
sequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.

Ivan Junqueira


Eu caminhava entre árvores
E espremia nos dedos
O mudo cipreste, roçando
um acridoce olfato
Ao silêncio de meu nariz.
Ali entre cúmplices imagens,
Onde o vento me sabe
E o sem- fundo do lago me diz,
No frescor do mais contido sumo,
Cheirei a poesia, assim do nada,
E caminhei sobre as águas,
O naufrágio por um triz.

Fernando Campanella

27 outubro 2009

Predileção



Amo os gestos estáticos, plasmados
numa atitude lenta de abandono;
certos olhares bêbedos de sono
e a poesia dos muros desbotados...

Amo as nuvens longínquas... o reflexo
na água dos foscos lampiões...as pontes...
a sufocação ríspida das fontes
e as palavras poéticas sem nexo.

Mas, sobretudo, eu amo esses instantes
em que, como dois presos foragidos,
os meus olhos se embrenham, distraídos,
na natureza - como dois amantes...

Onestaldo de Pennafort



Sou transparente,
Tanto quanto me permite a vida.
Mas a transparência não esta em mim,
E sim nos olhos que me desnudam.
Sou pedra bruta,
Teu olhar é que me lapida.
Por isso transparência depende,
De que lado você se encontra do sol.

Santaroza

Dias Azuis



Hoje por mais de um segundo
o mundo rodou para trás.
Folhas perdidas no tempo,
num vento de um tempo que não volta mais

Dias azuis,
Noites de paz na cidade.
Dias azuis,
Vento que trás a saudade.

Hoje por quase um segundo
o mundo parou, de rodar.
Foi um perfume no vento
alguém que chegou para encontrar.

Dias azuis,
Noites de paz na cidade.
Dias azuis,
Vento que trás a saudade.

Milton Nascimento



Como é que escreve poesia?
- Entortando o caminho da frase.
E como é que se apaixona?
- Aí é alinhando.
As frases?
- Não, os corações.

Alisson Villa

26 outubro 2009

Poema Desenhado



No meio da página escrevo ao acaso a palavra "menina"
e à sua magia, um caminho abre-se
para ela andar.
E como houvesse brotado aos seus pés um arroio espiador
uma ponte estendeu-se
para ela atravessar.
Mas a menina
agora parou
e do meio da ponte namora
encantadamente nas águas
a graça inacabada de seu pequenino rosto
feito às pressas.
Às pressas...
(nem tive tempo de lhe dar um nome)
A vida é assim,meninazinha sem nome...
A vida nem dá tempo para a vida!

Mário Quintana




Imagens 1 e 2: Eduardo Poisl

25 outubro 2009

O tempo



Guarda tu agora o que eu, subitamente, perdi
talvez para sempre ― a casa e o cheiro dos livros,
a suave respiração do tempo, palavras, a verdade,
camas desfeitas algures pela manhã,
o abrigo de um corpo agitado no seu sono.

Guarda-o serenamente e sem pressa,
como eu nunca soube.
E protege-o de todos os invernos ― dos caminhos
de lama e das vozes mais frias. Afaga-lhe
as feridas devagar, com as mãos e os lábios,
para que jamais sangrem. E ouve, de noite,
a sua respiração cálida e ofegante
no compasso dos sonhos, que é onde esconde
os mais escondidos medos e anseios.

Não deixes nunca que se ouça sozinho no que diz
antes de adormecer. E depois aguarda que,
na escuridão do quarto, seja ele a abraçar-te,
ainda que não te tenha revelado uma só vez o que queria.

Acorda mais cedo e demora-te a olhá-lo à luz azul
que os dias trazem à casa quando são tranqüilos.
E nada lhe peças de manhã ― as manhãs pertencem-lhe;
deixa-o a regar os vasos na varanda e sai,
atravessa a rua enquanto ainda houver sol. E assim
haverá sempre sol e para sempre o terás,
como para sempre o terei perdido eu, subitamente,
por assim não ter feito.

Maria do Rosário Pedreira



24 outubro 2009

Leitura de Domingo



Fazer um céu, com pouco a gente faz
basta uma estrela
uma estrela e nada mais.
Pra ter nas mãos o mundo
basta uma ilusão
um grão de areia
é o mundo em nossa mão.
Sonhar é dar à vida nova cor
dar gosto bom às lagrimas de dor
o sol pode apagar, o mar perder a voz
mas nunca morre um sonho bom dentro de nós.

MÁRIO LAGO
(Rio de Janeiro-1911-2001)




Tenta esquecer-me... Ser lembrado é como evocar
Um fantasma... Deixa-me ser o que sou,
O que sempre fui, um rio que vai fluindo...
Em vão, em minhas margens cantarão as horas,
Me recamarei de estrelas como um manto real,
Me bordarei de nuvens e de asas,
Às vezes virão a mim as crianças banhar-se...
Um espelho não guarda as coisas refletidas!
E o meu destino é seguir... é seguir para o Mar,
As imagens perdendo no caminho...
Deixa-me fluir, passar, cantar...
Toda a tristeza dos rios
É não poder parar!

Mário Quintana

23 outubro 2009

Poesia com Cecília Meireles



Por aqui vou sem programa,
sem rumo,
sem nenhum itinerário.
O destino de quem ama
é vário,
como o trajeto do fumo.
Minha canção vai comigo.
Vai doce.
Tão sereno é seu compasso
que penso em ti, meu amigo.
- Se fosse,
em vez da canção, teu braço !
Ah, mas logo ali adiante
- tão perto ! -
acaba-se a terra bela.
Para este pequeno instante,
decerto,
é melhor ir só com ela.
( Isto são coisas que digo,
que invento,
para achar a vida boa ...
A canção que vai comigo
é a forma de esquecimento
do sonho sonhado à toa ...)

Cecilia Meireles




Praia das Palmeiras por Gabriel Roitman

A flor da tarde...



É mais fácil partir quando o silêncio
transpõe a tua voz.
Mais simples celebrar a tão efémera
certeza de estares vivo.

A música do ar esvai-se nas sombras,
tu sabes que é assim,
que os dias correm céleres, não tentes
perseguir o seu rasto – repara
como em abril as aves são felizes.

Sê como elas: não perguntes nada,
deixa que o sol responda à flor da tarde
e esquece-te do mundo.

Eco
Fernando Pinto do Amaral




Imagens: Sônia Schmorantz (flores da minha casa)

22 outubro 2009

José Agostinho Baptista & Orlando Neves



Olhei quase sempre para o chão.
E aquela estrela que parava no sul, descia de
repente e caía aos nossos pés.
Recolhi-a,
ano após ano,
e com o resto da sua luz quis iluminar o
teu caminho.
Mas tu não viste as suas lágrimas que eram
as minhas,
apagando a última, sobre o chão.

José Agostinho Baptista, Biografia



Se não é viva,
nem sequer solene,
nem ao menos intacta,
se não é exata,
nem sequer perene,
nem ao menos cativa,
porque emerge,
táctil e lisa,
uma tão clara
música,
na treva dúbia
onde me ferem
e querem?

Orlando Neves


Imagens: Gabriel Roitman, Luiz Gamero e Eduardo Poisl

21 outubro 2009

Miguel Torga & Mia Couto



A vida passa lá fora,
Ou na pressa de uma roda,
Ou na altura de uma asa,
Ou na paz de uma cantiga;
E vem guardar-se num verso
Que eu talvez amanhã diga.

Miguel Torga



Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia
pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia
fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei
eu vi
a árvore morta
e soube que mentia.

Mia Couto
in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"


Imagens de hoje: Forte Santana, Praia do Forte e Praia do Bom Abrigo por Gabriel Roitman

20 outubro 2009

Neste momento



Neste momento, meu Deus, eu só tenho em minha
alma a perplexidade infinita.
Nada mais sei de mim, nem dos outros,
nem do sentido do mundo.
Foi como se tivesse caminhado distraidamente e me
perdesse dos rumos costumeiros
E de repente me encontrasse para além das
fronteiras de meu próprio destino.
Não sei se fiquei mais impuro ou mais puro.
Vejo que os que mais me amam
estão me deixando caminhar sozinho.
sentindo-me, talvez, estrangeiro em meio deles.
Vejo que todos os que vinham comigo na matinal
alegria das primeiras jornadas
deixaram de deslumbrar-se com a vida.
E perderam o senso do mistério,
e passaram a estranhar os meus olhos,
a minha fala, os meus gestos.
Vejo que todos subitamente serenaram
e ficaram entregues às suas quotidianas tarefas
numa aceitação tranqüila,
como se tivessem todos recebido o seu quinhão
justo de amor, de beleza e de bondade,
ao passo que eu vou na mesma sede imitigada, na
mesma procura aflita de sempre.
Não sei se fiquei mais puro ou mais impuro.
Sei que estou caminhando, solitário,
para além das fronteiras do meu destino.
E sinto crescer em mim
esta vontade absurda
de descansar de mim mesmo.

Tasso Da Silveira
In: Poemas De Antes
Imagens de hoje: Luiz Gamero, Cascavel, Paraná



Terça-feira com Poesia



"... E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente.
Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros.
Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram.
Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."

Miguel Sousa Tavares



Os passos da noite...
Deixam rastros nos desvãos de minha alma,
despertando consteladas esperanças em minha solidão.
Os passos da noite,
macios, etéreos,
em cálidas fragrâncias embebidos,
me pensam alvoradas de desejos do amanhã.
E uma ilusão enluarada me abrasa,
me veste com asas de vontade renascida.
Porém eu não sei o destino do vôo.

Patricia Neme


Imagens: Tamine, Praia dos Ingleses

19 outubro 2009

Infinito Interior



Trago dentro de mim um mar imenso
feito de vagas tristes
e sonhos vagos
o horizonte é uma manhã
que eu quis minha para ser eu
e para porto de abrigo escolhi uma tarde
que soubesse chorar a morte do sol.

José Rui Teixeira



As coisas simples dizem-se depressa;
tão depressa que nem conseguimos que as ouçam.
As coisas simples murmuram-se; um murmúrio
tão baixo que não chega aos ouvidos de ninguém.
As coisas simples escorrem pela prateleira
da loja, tão ao de leve que ninguém
as compra. As coisas simples flutuam com
o vento, tão alto, que não se vêm.

São assim as coisas simples: tão simples
como o sol que bate nos teus olhos, para
que os feches, e as coisas simples passem
como sombra sobre as tuas pálpebras.

Nuno Júdice


Imagens Praia dos Ingleses, domingo dia 18/10/2009 por Sônia

Quem sou eu

Minha foto
Gaúcha, nos pampas nascida Um grande sonho acalentei Morar numa ilha encantada Cheia de bruxas e fadas. Nessa terra cheia de graça Onde se juntam todas as raças, Minha ilha lança ao poente O azul espelhado da lagoa, O verde silêncio das montanhas, O rumorejar de um mar azul Que beija apaixonado a areia da Minha ilha de renda poética. Não importa se há sol ou chuva, A mágica ilha é sempre azul, Fica gravada na alma e Quem aqui vem sempre vai voltar, Para descobrir novos caminhos, Novos destinos, pois Esta magia nunca irá acabar.
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