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30 junho 2010

Barco de Papel


Quem sabe por tantos barcos
navegarem a minha infância
herdei essa enorme ânsia
por navios, terras e mares.

Nesse mar dos meus pesares
meu porto é uma ilha perdida
e assim naveguei na vida
passageiro do horizonte.

Hoje pergunto a mim mesmo
se não remei sempre a esmo
a bordo do meu batel…

Com meu sonho de criança
navegando a esperança
num barquinho de papel.

Manoel de Andrade
*poeta e autor do livro “Cantares”



28 junho 2010

Inexorável




Sim.
Todos os poemas
são de amor.
Pela rima,
pelo ritmo,
pelo brilho
ou por alguém,
alguma coisa
que passava
na hora
em que a vida
virava palavra.

Alice Ruiz




25 junho 2010

TRADUZIR-SE


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?


Ferreira Gullar



24 junho 2010

MOMENTOS


Deitado sobre um sentimento, 
que se demora no ficar 
e quando sai, sai lento 
qual vela livre sobre o mar, 
deixo-me embalar sonolento 
num doce deixar pensar. 

Roço o tronco nos lençóis 
aconchegando a pele, 
roço-me em canto de rouxinóis 
que me trazem sons de mel 
vindos do outro lado da janela 
e aguardo por algo que se revele... 
algo, que sempre se revela. 

Diz-me, se me lês, 
que te sentes assim 
quando não há porquês
nem suspiros de "enfim"...
diz-me, só esta vez,
que não há sentimento ruim,
nem um quase ou talvez,
quando nem o ar te separa de mim.

Valdevinoxis




22 junho 2010

AS ÁRVORES BOTTICELLIANAS






O alfabeto das árvores
vai desmaiando na canção das folhas
as hastes cortadas
das finas letras que escreviam
inverno e frio foram iluminadas
com pontas de verde
pela chuva e o sol —
as regras simples e estritas dos ramos retos
vão sendo alteradas por ses de cor
pinçados, por cláusulas devotas
os sorrisos de amor —
até as frases desnudas
se moverem como braços
e pernas de mulher sob o tecido
e em sigilo o louvor entoarem do desejo
e do império do amor no estio —
no estio a canção canta-se por si
acima das palavras surdas.

William Carlos Williams
Tradução de José Paulo Paes




20 junho 2010

Lembrança, por Mário Quintana



Essa lembrança que nos vem às vezes...
folha súbita
que tomba
abrindo na memória a flor silenciosa
de mil e uma pétalas concêntricas...
Essa lembrança...mas de onde? de quem?
Essa lembrança talvez nem seja nossa,
mas de alguém que, pensando em nós, só possa
mandar um eco do seu pensamento
nessa mensagem pelos céus perdida...
Ai! Tão perdida
que nem se possa saber mais de quem!


Mário Quintana



18 junho 2010

A Viagem de José Saramago




A viagem não acaba nunca.
Só os viajantes acabam.
E mesmo estes podem prolongar-se em memória,
em lembrança, em narrativa.
Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:
“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim.
O fim de uma viagem é apenas o começo de outra.
É preciso ver o que não foi visto,
ver outra vez o que se viu já,
ver na primavera o que se vira no verão,
ver de dia o que se viu de noite,
com o sol onde primeiramente a chuva caía,
ver a seara verde, o fruto maduro,
a pedra que mudou de lugar,
a sombra que aqui não estava.
É preciso voltar aos passos que foram dados,
para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles.
É preciso recomeçar a viagem.
Sempre.

José Saramago


Imagens da Lagoa da Conceição no dia cinza de hoje.

17 junho 2010

Remanso



Cismo a paz no silêncio do jardim,
apenas quebrado pelo chilrear de pássaros,
remanso da tarde que passa como brisa,
leve e cristalina, em paz comigo mesma.
A vida vai seguindo seu rumo,
segue este remanso lento, como rio
que corre sempre para o mar.
Vai na força da vida, amansando o coração,
como água que encharca a terra,
como asa veloz que atravessa o céu,
sem ruído, desfazendo-se em laços,
na nua aurora que cobre o poente.
Do remanso nascem as palavras,
tal como pássaros, nascem aladas,
aprendendo a voar em busca de sonhos,
falam da cor da flor, do gosto do amor,
numa rima vadia lanceada de ternura,
um poema ainda não dito a tecer vagas
incessantes de memórias de quem habita
entre o ontem e o amanhã de um dia iluminado,
luz indulgente que alumia a porta entreaberta
da poesia.

Sônia Schmorantz

16 junho 2010

Poesia com Pablo Neruda






Para meu coração basta teu peito
para tua liberdade bastam minhas asas.
Desde minha boca chegará até o céu
o que estava dormindo sobre tua alma.

E em ti a ilusão de cada dia.
Chegas como o sereno às corolas.
Escavas o horizonte com tua ausência
Eternamente em fuga como a onda.

Eu disse que cantavas no vento
como os pinheiros e como os hastes.
Como eles és alta e taciturna.
e intristeces prontamente, como uma viagem.

Acolhedora como um velho caminho.
Te povoa ecos e vozes nostálgicas.
eu despertei e as vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam em tua alma.

Pablo Neruda


14 junho 2010

Pão e Poesia


Felicidade é uma cidade pequenina
é uma casinha é uma colina
qualquer lugar que se ilumina
quando a gente quer amar.

Se a vida fosse trabalhar nessa oficina
fazer menino ou menina, edifício e maracá
virtude e vício, liberdade e precipício
fazer pão, fazer comício, fazer gol e namorar.

Se a vida fosse o meu desejo
dar um beijo em teu sorriso, sem cansaço
e o portão do paraíso é teu abraço
quando a fábrica apitar.

Numa paisagem entre o pão e a poesia
entre o quero e o não queria
entre a terra e o luar
não é na guerra, nem saudade nem futuro
é o amor no pé do muro sem ninguém policiar.

É a faculdade de sonhar, é uma poesia
que principia quando eu paro de pensar,
pensar na luta desigual, na força bruta, meu amor
que te maltrata entre o almoço e o jantar.

O lindo espaço entre a fruta e o caroço
quando explode é um alvoroço
que distrai o teu olhar
é a natureza onde eu pareço metade
da tua mesma vontade
escondida em outro olhar.

E como o doce não esconde a tamarinda
essa beleza só finda
quando a outra começar
vai ser bem feito nosso amor daquele jeito
nesse dia é feriado não precisa trabalhar.

Para não dizer que eu não falei da fantasia
que acaricia o pensamento popular
o amor que fica entre a fala e a tua boca
nem a palavra mais louca,
consegue significar: felicidade.

Felicidade é uma cidade pequenina
é uma casinha é uma colina
qualquer lugar que se ilumina
quando a gente quer amar...

Moraes Moreira



13 junho 2010

Obrigado por me amar






É difícil para mim dizer as coisas
Que às vezes quero dizer
Não há ninguém aqui, a não ser você e eu
E aquela velha lâmpada de poste quebrada
Tranque as portas
Vamos deixar o mundo lá fora
Tudo que tenho para te dar
São estas cinco palavras esta noite...

Eu nunca soube que tinha um sonho
Até que esse sonho era: você
Quando olho dentro de seus olhos
O céu tem um tom diferente de azul
Cruza meu coração
Eu não usarei disfarce
Se eu tentasse, você faria de conta
Que acreditou em minhas mentiras

Você me levanta quando estou caído
Você soa o alarme antes que eu fique fora
Se eu estivesse me afogando você separaria o mar
E arriscaria sua própria vida para me resgatar
Tranque as portas
Vamos deixar o mundo lá fora
Tudo que tenho para te dar
São estas cinco palavras esta noite


Obrigada por me amar
Por ser meus olhos
Quando não podia enxergar
Por ser parte de meus lábios
Quando não pude respirar

Obrigada por me amar
Quando não pude voar
Oh, você me deu asas
Você partilhou meus lábios
Quando não conseguia respirar
Obrigada por me amar...



Bon Jovi – thank you for loving me


12 junho 2010

Amar


Fechei os olhos para não te ver
e a minha boca para não dizer...
E dos meus olhos fechados desceram lágrimas que não enxuguei,
e da minha boca fechada nasceram sussurros
e palavras mudas que te dediquei...
O amor é quando a gente mora um no outro.

Mário Quintana


Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é
A dor que já não me dói
A antiga e errônea fé
O ontem que a dor deixou
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.

Fernando Pessoa


10 junho 2010

Canção do Amor Sereno


Vem sem receio: eu te recebo
Como um dom dos deuses do deserto
Que decretaram minha trégua , e permitiram
Que o mel de teus olhos me invadisse.

Quero que o meu amor te faça livre,
Que meus dedos não te prendam
Mas contornem teu raro perfil
Como lábios tocam um anel sagrado.

Quero que o meu amor te seja enfeite
E conforto, porto de partida para a fundação
Do teu reino, em que a sombra
Seja abrigo e ilha.

Quero que o meu amor te seja leve
Como se dançasse numa praia uma menina.

Lya Luft



09 junho 2010

Reflexo


A paz que se queria, a ausência vai dar.
A tristeza vai substituir a ansiedade.
A lágrima escorre no lugar do suor.
A saudade vai amainar o medo.
A dor quebra o prazer.
A vida se esvai
E lentamente
Se acaba
Se acaba
E lentamente
A vida se esvai
A dor quebra o prazer
A saudade vai amainar o medo
A lágrima escorre no lugar do suor
A tristeza vai substituir a ansiedade
A paz que se queria, a ausência vai dar.

Carlucho Vitaliano



07 junho 2010

Nem tudo


Nem tudo que é vento voa
Nem tudo que é tempo passa
Nem tudo que é medo apavora
Nem tudo que é esperança consola
Nem tudo que é cansaço desanima
Nem tudo que é só isola
Nem todo amigo falha
Nem todo amor fica
Nem todo fogo alastra
Nem toda fome mata
Nem toda hora atrasa
Nem todo corpo casa
Qualquer pouca fé:
Salva.

Cáh Morandi



06 junho 2010

Anunciação


Toca essa musica de seda, frouxa e trêmula
que apenas embala a noite e balança as estrelas noutro mar.

Do fundo da escuridão nascem vagos navios de ouro,
com as mãos de esquecidos corpos quase desmanchados no vento.

E o vento bate nas cordas, e estremecem as velas opacas,
e a água derrete um brilho fino, que em si mesmo logo se perde.

Toca essa musica de seda, entre areias e nuvens e espumas.

Os remos pararão no meio da onda, entre os peixes suspensos;
e as cordas partidas andarão pelos ares dançando à toa.

Cessará essa musica de sombra, que apenas indica valores de ar.
Não haverá mais nossa vida, talvez não haja nem o pó que fomos.

E a memória de tudo desmanchará sua dunas desertas,
e em navios novos homens eternos navegarão.

Cecília Meireles





Quem sou eu

Minha foto
Gaúcha, nos pampas nascida Um grande sonho acalentei Morar numa ilha encantada Cheia de bruxas e fadas. Nessa terra cheia de graça Onde se juntam todas as raças, Minha ilha lança ao poente O azul espelhado da lagoa, O verde silêncio das montanhas, O rumorejar de um mar azul Que beija apaixonado a areia da Minha ilha de renda poética. Não importa se há sol ou chuva, A mágica ilha é sempre azul, Fica gravada na alma e Quem aqui vem sempre vai voltar, Para descobrir novos caminhos, Novos destinos, pois Esta magia nunca irá acabar.
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