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30 setembro 2011

Coragem


Coragem, às vezes,
é desapego.
É parar de se esticar, em vão,
para trazer a linha de volta.
É permitir que voe,
sem que nos leve junto.
É aceitar
que a esperança
há muito
se desprendeu do sonho.
É aceitar doer inteiro
até florir de novo.
É abençoar o amor,
aquele lá,
que a gente
não alcança mais.

Ana Jácomo



28 setembro 2011

Água Brusca


Eis que de dentro de mim
Jorrou uma água brusca,
Ladeira abaixo, sem sonho,
Morrendo sem ter vivido, —
E eu, no espelho crucente
Das hortas de sempre fuga,
Tentei por detrás da fuga
Remover o meu retrato,
O resolver sempre falho,
Enxergar o que não via;
Mas cansado, sem relíquias,
Deixei que escorresse plena,
Que fosse na doida arena
Da areia se dissolver.

Ildásio Tavares



Imagens do Costão do Santinho

25 setembro 2011

Vaga nuvem


Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.

O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.

Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.

Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"



21 setembro 2011

O Chão da Paineira


Eu fiquei olhando a dança das flores
Ao se despencarem de uma paineira.
O vento soprando o bailado das cores,
O chão perfumado de flores inteiras.
E o povo pisando, sem nem perceber,
O tapete lilás de flores caídas.
Só eu escutava o triste gemer
Das flores, o lamento num resto de vida.
E, quase chorando em rimas singelas,
Então comparei a morte das flores,
Ao se soltarem na queda certeira
De um galho tão alto, tão ricas, tão belas,
Com o tempo que passa matando os amores
E a alma pisada é o chão da paineira.

José Gilberto Gaspar
Do livro Nos Braços do Sol, São Paulo, Edix, 1997.



15 setembro 2011

Vento


Passaram os ventos de agosto, levando tudo.
As árvores humilhadas bateram,
bateram com os ramos no chão.
Voaram telhados, voaram andaimes, voaram coisas imensas;
os ninhos que os homens não viram nos galhos,
e uma esperança que ninguém viu, num coração.

Passaram os ventos de agosto, terríveis,
 por dentro da noite.
Em todos os sonos pisou, quebrando-os, o seu tropel.
Mas, sobre a paisagem cansada da aventura excessiva -
sem forma e sem eco,
o sol encontrou as crianças procurando outra vez o vento
para soltarem papagaios de papel.

Cecília Meireles




14 setembro 2011

Canção da Primavera


Primavera cruza o rio
Cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.

Catavento enloqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.

Dancemos todos, dancemos,
Amadas, Mortos, Amigos,
Dancemos todos até

Não mais saber-se o motivo…
Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!

Mario Quintana; Canções, 1946




08 setembro 2011

Rua da solidão




Eu amava aquela terra,
onde as ruas eram livres,
onde eu podia correr.
Dei um nome a esta rua:
rua da solidão,
número das ilusões.

Lá as noites eram lindas!
Luar, estrelas, solidão,
céu azul quase veludo,
os vaga-lumes piscando,
com inveja das estrelas
brilhavam para se mostrar.

Noites enluaradas,
a árvore fazia sombra,
tudo ficava tão lindo!
E eu não parava de sonhar,
ali eu plantei mil sonhos,
mil ilusões eu plantei.
Mas da rua da solidão eu sai,
em outra terra fui viver.
E as ilusões, e os sonhos,
não chegaram a florescer.

Tereza C. Werson


Imagens da Praia da Joaquina

04 setembro 2011

A Viagem



A viagem não acaba nunca.
Só os viajantes acabam.
E mesmo estes podem prolongar-se em memória,
em lembrança, em narrativa.
Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:
“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim.
O fim de uma viagem é apenas o começo de outra.
É preciso ver o que não foi visto,
ver outra vez o que se viu já,
ver na primavera o que se vira no verão,
ver de dia o que se viu de noite,
com o sol onde primeiramente a chuva caía,
ver a seara verde, o fruto maduro,
a pedra que mudou de lugar,
a sombra que aqui não estava.
É preciso voltar aos passos que foram dados,
para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles.
É preciso recomeçar a viagem.
Sempre.

José Saramago


Da janela, as imagens do entardecer

Quem sou eu

Minha foto
Gaúcha, nos pampas nascida Um grande sonho acalentei Morar numa ilha encantada Cheia de bruxas e fadas. Nessa terra cheia de graça Onde se juntam todas as raças, Minha ilha lança ao poente O azul espelhado da lagoa, O verde silêncio das montanhas, O rumorejar de um mar azul Que beija apaixonado a areia da Minha ilha de renda poética. Não importa se há sol ou chuva, A mágica ilha é sempre azul, Fica gravada na alma e Quem aqui vem sempre vai voltar, Para descobrir novos caminhos, Novos destinos, pois Esta magia nunca irá acabar.
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