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28 fevereiro 2011

As pequenas palavras


De todas as palavras escolhi água,
porque lágrima, chuva, porque mar
porque saliva, bátega, nascente
porque rio, porque sede, porque fonte.
De todas as palavras escolhi dar.

De todas as palavras escolhi flor
porque terra, papoila, cor, semente
porque rosa, recado, porque pele
porque pétala, pólen, porque vento.
De todas as palavras escolhi mel.

De todas as palavras escolhi voz
porque cantiga, riso, porque amor
porque partilha, boca, porque nós
porque segredo, água, mel e flor.

E porque poesia e porque adeus
de todas as palavras escolhi dor.

Rosa Lobato de Faria



25 fevereiro 2011

Poema Desenhado


No meio da página escrevo ao acaso a palavra "menina"

e à sua magia, um caminho abre-se
para ela andar.

E como houvesse brotado aos seus pés um arroio espiador
uma ponte estendeu-se
para ela atravessar.

Mas a menina
agora parou
e do meio da ponte namora encantadamente nas águas
a graça inacabada de seu pequenino rosto feito às pressas.

Às pressas...
(nem tive tempo de lhe dar um nome)

A vida é assim,
meninazinha sem nome...

A vida nem dá tempo para a vida!



Mário Quintana
In Baú de espantos



21 fevereiro 2011

O Caminho


Quando se encontra o caminho

basta continuar a descobrir a paisagem
que ele corta ao meio,
e a pedra,
e a poeira
e os espinhos,
para que não sejam pisados.
Quando não se encontra o caminho
basta levantar as mãos
para que Deus as segure.


Zaé Junior




Imagens da Praia de Coqueiros, Florianópolis SC

19 fevereiro 2011

O tom da saudade



A saudade tem tons opalinos,
é o passo mais cansado
de uma dança transcendental

Tem o olhar doador,
onde passeio meus sentidos
mascarados na reflexão
de mim mesmo

E assim perco minha metade
em outra que realizo,
como águas que correm,
que voam aos céus
e voltam à terra


Conceição Bentes
Publicado no Recanto das Letras em 17/02/2011
Código do texto: T2798043 



14 fevereiro 2011

Casa Suspeita

Talvez eu quisesse ser teu lado mais bonito
a parte da tua história mais repleta, plena,
a coisa certa
de uma forma tão serena, tão doce,
mas que ao mesmo tempo fosse
selvagem e obscena, violenta até,
que o ódio está sempre contido na paixão.
E, se eu tenho uma paz toda que me enfeita
trago uma casa suspeita dentro do coração.

Trago um crime que cometi ou que vou cometer
e jogo contra mim, jogo contra você
vivo do perigo de te fazer enlouquecer
no eterno dilema de ser e não ser,
ando na beira do que pode acontecer
e morro de medo de te perder.


Bruna Lombardi


Imagens da Lagoinha Norte em Florianópolis

13 fevereiro 2011

Cada vez


Cada vez
 que te espreito   
                 na paisagem inebriante
                                      de noites
                                            de fantasmas
                                                         deliciosamente adúlteras
 ternamente
             te acompanho
                    no suplício gostoso
                                 do Carnaval permanente
                                              de nossas vidas orquestradas                              
Cada vez
      Que mergulho
                  No sono de luz
                                     Do calor de tuas artérias de fogo

Escalo pressuroso
                  O porto grande
                         De nossas viagens prateadas
                                                Sempre sem destino.

Jorge Carlos Fonseca 
Dakar, 20 de Novembro de 1976




10 fevereiro 2011

Lavoura Azul


Trabalho nuvens como quem trabalha
o chão que é seu, mas eu não tenho chão.
Cultivador da natureza falha,
planto no azul o que de azul me dão.

Sobre o campo de nuvens cresce a palha
de sonho e cobre a minha solidão.
E esse abrigo de sonhos me agasalha
contra os falsos azuis que vêm e vão.

Minha roça no ar produz estrelas,
mas eu não tenho mãos para colhê-las,
nesta safra de azul que é nova e antiga.

Sou lavrador do quanto não se lavra
e preciso que eu ceife na palavra
o maduro do azul e a sua espiga.


José Chagas, in Lavoura Azul (1974)



08 fevereiro 2011

Em surdina


Calmo, na paz que difunde
a sombra dos altos ramos,
que o nosso amor se aprofunde
neste silêncio em que estamos.

Coração, alma e sentidos
se confundam com estes ais
que exalam, enlanguescidos,
medronheiros pinhais.

Fecha os olhos mansamente
e cruza as mãos sobre o seio.
Do teu coração dolente
afasta qualquer anseio.

Deixemo-nos enlevar
ao embalo desta brisa
que a teus pés, doce, a arrulhar,
a relva crestada frisa.

E quando a noite sombria
dos carvalhos for baixando,
o rouxinol a agonia
da nossa alma irá cantando.


Paul Verlaine


Lagoa do Peri, nesta terça, dia 07/02/2011

04 fevereiro 2011

Para ti


Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que falhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só olhar
amando de uma só vida.

Mia Couto


Imagens do trajeto para o Portinho da Costa da Lagoa

01 fevereiro 2011

Diálogo


Levarás 
pela mão o menino 
até ao rio. 
Dir-lhe-ás 
que a água é cega 
e surda. 
Muda, não. 
Que o digam 
os peixes, que em silêncio 
com ela sustentam 
seu diálogo líquido, 
de líquidas 
sílabas 
de submersas 
vogais. 

Albano Martins, in "Castália e Outros Poemas"


Domingo, Praia dos Ingleses

Quem sou eu

Minha foto
Gaúcha, nos pampas nascida Um grande sonho acalentei Morar numa ilha encantada Cheia de bruxas e fadas. Nessa terra cheia de graça Onde se juntam todas as raças, Minha ilha lança ao poente O azul espelhado da lagoa, O verde silêncio das montanhas, O rumorejar de um mar azul Que beija apaixonado a areia da Minha ilha de renda poética. Não importa se há sol ou chuva, A mágica ilha é sempre azul, Fica gravada na alma e Quem aqui vem sempre vai voltar, Para descobrir novos caminhos, Novos destinos, pois Esta magia nunca irá acabar.
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